VENDAS E MARKETING

Melhoria no Desempenho em Centro de Relacionamento com os Clientes

Aline da Silva Batista; Carlos A. Campos; Gece Wallace Santos Renó; Oswaldo Mário Serra Truzzi

Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir a aplicação dos conceitos Lean nos processos administrativos para melhoria contínua do relacionamento com os clientes no Centro de Relacionamento com Clientes de uma fabricante de bens de consumo.

A aplicação do Lean teve como principais metas o incremento da produtividade da área, maior agilidade e precisão no atendimento envolvendo toda a equipe.

Através do levantamento de todas as atividades executadas por 65 colaboradores e realização de uma pesquisa interna com as áreas de negócios, foram identificadas diversas oportunidades de melhoria nos processos de atendimento aos clientes.

Os resultados da pesquisa e análise das atividades nortearam a abertura de mais de 30 projetos voltados a melhoria nos processos e estudo do layout da área. Para garantir a melhoria contínua dos processos, é necessário criar um ambiente onde as pessoas se interessem pela resolução dos problemas, expondo-os abertamente, e estejam dispostas a avaliar constantemente a forma de executar suas atividades.

Lean em processos administrativos

A aplicação dos princípios do pensamento enxuto na manufatura em atividades administrativas tem certas particularidades em comparação à manufatura. O fluxo de valor, nesse caso, consiste no fluxo de informações e de conhecimentos, onde o objetivo é justamente reduzir ou eliminar os desperdícios ligados a ele. (MCMANUS, 2003).

Assim como nas manufaturas, os desperdícios nas áreas administrativas são atividades que não adicionam valor para o produto, serviço ou para o cliente, adicionando somente custo e tempo. Em virtude das particularidades dos processos administrativos, uma classificação de desperdícios diferente da manufatura é necessária, de modo a facilitar às pessoas enxergarem os mesmos. Para tal, inicialmente separamos os desperdícios em três grandes grupos:

  1. Desperdícios de Fronteira
  2. Desperdícios de Conhecimento
  3. Desperdícios de Planejamento

Devido à divisão funcional e à departamentalização presente nas empresas, é comum que as informações nos processos administrativos sejam transferidas entre pessoas e departamentos. Os desperdícios de fronteira são causados em razão do que chamamos de “hand-offs”, ou seja, a perda de conhecimento inerente a essa transferência de informações. O “hand-off” está associado também a um arranjo físico, que leva a um alto volume de circulação entre as áreas. Os desperdícios de fronteira são classificados como:

  • Informações inúteis: esforço e custo de coletar informações que nunca são usadas, gerar mais informações em papéis do que é necessário (excesso de papel ou burocratização);
  • Espera: Por dados, assinaturas, respostas, decisões, eventos de revisão e disponibilidade (pessoas ou máquinas). Pode ser, por exemplo, o excesso de assinaturas e revisões, em diferentes níveis da organização, em documentos. Esse desperdício provoca o não alinhamento com a visão estratégica de negócios de uma organização;
  • Grandes lotes de informação: Esperas por grandes ondas de informação para seguir com o processo;
  • Tarefas redundantes: inspeções e revisões, por exemplo.

Os desperdícios de conhecimento são causados pela necessidade constante do homem em utilizar sua criatividade, que pode gerar problemas. Eles são classificados em:

  • Reinvenção: reinventar ou recriar o conhecimento
  • Problemas de Qualidade: retrabalhos e informações sem qualidade.

Os desperdícios de planejamento são causados pela falta de uma visão sistêmica nos processos administrativos e sua interação e impacto com outras partes do processo. São classificados em:

  • Falta de Nivelamento da Carga: gerando filas, sobrecargas, ociosidades e muita variação no lead-time;
  • Tarefas do tipo “Stop and Go”: interrupções durante o processo de pensamento de uma atividade que exige um novo “setup” mental;
  • Falta de sincronismo entre as tarefas: trabalhar fora do momento adequado à necessidade dos clientes. Pode ser exemplificado como relatórios produzidos em excesso que ficam arquivados nos computadores

O Centro de Relacionamento dos Clientes da empresa de bens de consumo

Trata-se de uma empresa cujos itens produzidos superam 15.000. A filosofia Lean é muito utilizada nas fábricas como modelo de gestão para auxiliar na melhoria contínua dos processos.

O Centro de Relacionamento com Clientes (CRC) é um departamento que cuida exclusivamente das relações com o mercado, incluindo clientes e equipe de vendas.

A aplicação do Lean no CRC iniciou-se em 2009. O plano de aplicação foi estruturado em cinco etapas: definir, medir, analisar, melhorar e controlar.

. O primeiro passo foi definir o time para participar de um workshop sobre Mapa de Fluxo de Valor em Processos Administrativos e Análise e Solução de Problemas. O propósito desse workshop foi o de familiarizar a equipe do escritório com as filosofias e ferramentas do pensamento lean.

. O passo seguinte foi o de medir todas as atividades do grupo através de uma planilha de levantamento de atividades, ao todo, o levantamento de atividades contou com a participação de 65 pessoas que possibilitou a identificação de desperdícios e pontos críticos do processo frente às expectativas dos clientes.

Para medir a percepção de valor dos clientes internos frente essas atividades foi realizado uma pesquisa de Voz do Cliente. Para tanto, foi utilizado o Modelo Kano (KANO, 1994) que trata da qualidade atrativa e obrigatória que faz distinção entre três tipos de atributos de produtos e serviços que influenciam a satisfação do cliente:

  1. Atributos obrigatórios: preenchem as funções básicas de um produto. Os clientes ficarão insatisfeitos de esses atributos não estiverem presentes ou o seu desempenho for insuficiente. Por outro lado, a presença destes atributos não resulta em satisfação dos clientes.
  2. Atributos unidimensionais: a satisfação do cliente é proporcional ao nível de desempenho, quanto maior for o desempenho, maior será a satisfação do cliente e vice-versa.

  3. Atributos atrativos: traz uma satisfação mais que proporcional e não gera insatisfação se não forem atendidos.

A identificação dos atributos dentro do Modelo Kano está baseada em um questionário, onde o cliente indica estar satisfeito ou insatisfeito com determinada situação. A figura 1 ilustra o modelo:

Figura 1: Modelo Kano de Qualidade Atrativa e Obrigatória
Fonte: Adaptado de Matzler et al, 1996.

A pesquisa foi respondida por 294 pessoas e tinha o objetivo de classificar as principais atividades do CRC. Foram analisadas as atividades realizadas pela equipe e identificadas as oportunidades de melhoria para atender melhor os clientes internos e externos.

O resultado da pesquisa foi traduzido em um gráfico relacionando o atendimento ou requisitos com a percepção do cliente.

Conclui-se que as atividades de status de pedido e de atendimento às reclamações estavam entre as atividades que eram consideradas mais básicas, restando pouco tempo para agir nos processos que eram mais valorizados pelo cliente interno.

. O passo seguinte foi analisar os dados recebidos. O que descobrimos ao cruzar o resultado da pesquisa com o resultado do levantamento de atividades, foi:

  • As principais atividades eram relacionadas à consulta de status de pedidos, envolvendo desde o atendimento de ligações, consulta aos bancos de dados internos e o retorno da informação. O tempo gasto com estas atividades representava mais de 15% do trabalho e, na pesquisa, era considerada uma atividade básica pelos clientes;
  • A atividade de análise e processamento dos pedidos ocupava outros 15% do tempo total dos colaboradores e também foi considerada como uma atividade básica;
  • Entre 5% e 10% do tempo era gasto com atendimento às reclamações; As atividades eram freqüentemente interrompidas;
  • Uma quantidade muito grande das atividades era tratada como urgentes, dificultando a priorização dos esforços.

Em seguida, definiram-se as ações de melhoria. Os resultados da pesquisa e análises das atividades nortearam a abertura de mais de 30 projetos voltados à melhoria de processos. Dentre estes, podemos citar as iniciativas abaixo:

  • Automação da entrada de pedido;
  • Redução do ciclo de processamento do pedido;
  • Disponibilidade das informações sobre o status do pedido para que o cliente consulte em ferramentas eletrônicas;
  • Redução dos erros nos processos;
  • Modernizar o sistema de telefonia;
  • Maior disponibilidade dos colaboradores para gerenciamento e realização de processos que agregam valor ao cliente.

Paralelamente a essas atividades, foi feita uma análise do layout atual da área, uma vez que a disposição física do ambiente, móveis e equipamentos em qualquer local de trabalho são de suma importância para a melhor produtividade das pessoas, bem como o fluxo de trabalho e a boa apresentação visual do local. Descobrimos com este estudo que havia muitos desperdícios em virtude do layout, dentre os quais podemos listar:

  • A quantidade grande de ruídos afetava a concentração das pessoas, o que resultava no desperdício de “stop and go”;
  • Desperdício por problemas com qualidade: a área é dividida por quatro supervisões e suas equipes estavam distantes de seus respectivos líderes. A disposição das pessoas era em baias, o que dificultava a integração da equipe; Desperdício por grandes lotes de informação: todos os documentos gerados eram arquivados em um espaço físico e a sua procura demandava tempo;
  • Desperdício de nivelamento: Os colaboradores coletavam a cada hora os pedidos para serem digitados no sistema pelo suporte operacional. Este time de suporte operacional localizava-se em outro prédio, ocasionando filas de pedidos a serem digitados, ociosidades e variações no lead-time do processamento do pedido;
  • Desperdício de espera: o suporte operacional aguardava os pedidos em um pré-impresso para digitá-los e as pessoas aguardavam retorno de documentos necessários para acompanhamento.

Veja antigo layout na figura 2:
Figura 2: Layout Antigo do CRC

Várias oportunidades foram identificadas com o estudo do Layout e a melhoria para tais oportunidades foi a mudança de layout que buscou atender os seguintes objetivos:

  1. Proximidade dos líderes com a sua equipe e visão de todos os colaboradores da sua área;
  2. Integração da equipe, visando à melhoria de produtividade;
  3. Proximidade do suporte operacional ao CRC, visando a redução do lead time dos pedidos, através da melhoria da qualidade e produtividade;

A mudança de layout foi conduzida como um processo evolutivo e necessário, realizado a partir da participação de todo o time com sugestões de melhorias e preocupação não só com o arranjo físico, mas com os fatores ergonômicos: iluminação, nível de ruído, cores, ventilação e temperatura.

O novo Layout foi desenhado de maneira linear com a inclusão de uma área de descanso, copa, armários para guardar itens particulares e uma sala de reunião. O novo local construído foi nomeado como “Espaço CRC”. Veja figura 5:

Figura 3: “Espaço CRC”

Resultados

A implementação do Lean no CRC tinha como objetivo a agilidade e precisão no atendimento, aliados à identificação das causas dos eventuais problemas apontados pelos clientes.

Os resultados quantitativos obtidos foram:

  • Com 2,7% menos de recursos humanos, aumentamos em 20,2% o processamento dos pedidos; 2010 vs 2008;
  • Aumento em média de 41,12% de produtividade em custos (diferença entre o percentual de crescimento de vendas e percentual de custo da operação); 2010 vs 2009;
  • Aumento da automatização da entrada de pedidos em 27.5%; 2010 vs 2009;
  • Redução do percentual das solicitações por consulta de pedidos através da disponibilidade de informações do pedido em ferramentas eletrônicas;
  • Redução de 20% no ciclo de processamento do pedido;
  • Redução em 53,6% das ligações perdidas; 2010 vs 2009;

Podemos listar também alguns ganhos qualitativos como:

  • Identidade como equipe de trabalho;
  • Ambiente de trabalho agradável;
  • Eliminação dos arquivos de documentos. Hoje todos os documentos são digitalizados e a sua busca é online;
  • Agilidade e precisão no atendimento;
  • Melhor ergonomia

Através da filosofia Lean estamos: focando os funcionários nos processos que realmente importam; compreendendo melhor nossas atividades; prevendo problemas; aproximando a liderança dos funcionários; criando uma cultura de melhoria contínua; sensibilizando a organização para os requisitos dos clientes e engajando os funcionários.

Conclusões

Implementar a metodologia Lean nas empresas representa a eliminação contínua dos desperdícios e fazer mais com menos. Os desperdícios são sintomas de problemas e a sua análise nos mostra pontos de oportunidade no sistema.

Assim como nas manufaturas, os desperdícios nas áreas administrativas são atividades que não adicionam valor para o produto, serviço ou para o cliente, adicionando somente custo e tempo. Em virtude de suas particularidades dos processos administrativos identificamos a necessidade de uma classificação dos desperdícios diferente da manufatura, de modo a facilitar às pessoas enxergarem os mesmos. Para tal, totalizamos nove desperdícios nos processos administrativos divididos em três grandes grupos.

A tarefa de transpor os conceitos da manufatura para o escritório não é simples, porque na manufatura os processos envolvem materiais físicos como: matérias-primas e máquinas, assim, é possível visualizar claramente quando um produto na linha de produção possui defeitos ou recursos ociosos.

A aplicação do lean no ambiente administrativo torna-se mais complexo porque lida com um fluxo de informações e dificilmente os processos administrativos são desenhados para serem excelentes. Na maioria das vezes, são resultados de práticas que acabam tornando-se fluxos. Podemos citar alguns dos problemas no ambiente dos escritórios: controle do fluxo de informações inexistente ou deficiente; problemas encarados como parte do processo; ausência de dados e indicadores.

Para garantir a melhoria contínua dos processos, as pessoas devem incomodar-se com a expressão “sempre foi feito desta maneira” e expor os problemas do dia-a-dia para solucioná-los. É possível fazer diferente e deve ser feito agora.

Os resultados indicam que os conceitos e ferramentas do lean podem ser usados tanto nas áreas administrativas, quanto em qualquer setor da empresa, desde que se tenha um problema ou uma oportunidade de melhoria e pessoas interessadas em solucioná-los.

Referências Bibliográficas

BERGER, C. et al. Kano’s methods for understanding customer-defined quality. Center for Quality Management Journal, Cambridge, v.4, p. 3-36, Fall 1993

KANO, N. Attractive quality and must-be quality. The Journal of the Japanese for Quality Control, v. 14, n.2, p.39-48, Apr. 1984.

MATZLER, K. et al. How to delight your customers. Journal of Product Brand Management, Bradford, v. 5, n. 2, p. 6-18, 1996.

McMANUS, H. Product Development value stream analysis and mapping manual (PDVMS) – Alpha Draft. Lean Aerospace Initiative. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology. 2003

Publicado em 28/01/2014

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal